sábado, 31 de maio de 2014

Um momento no tempo

Um momento... uma piscada de olho e um "clique", assim nasceu  a imagem ao lado, foi tudo recente, porem a cidade que fica ao redor deste portal é feita de muitos momentos, de inúmeras piscadas  e incontáveis "cliques", se fosse possível enfileira-los talvez dessem voltas sobre a terra, estou falando de Queimadas, uma cidade secular, no interior da Bahia.
É um local onde o passar do tempo provou o que disse uma vez Euclides da Cunha "O sertanejo é antes de tudo, um forte".
É este lugar de povo forte, que quero retratar neste blog, convido você  a ler,  participar e junto comigo viajar nas histórias, nos encantos e também nos problemas desta cidade.
Vamos a um pouco da historia oficial para começarmos nossa viagem.

A "PRE" HISTÓRIA DA CIDADE

Segundo Estudos históricos o território onde se localiza Queimadas foi um dos primeiros a serem doados em forma de sesmarias, o que aconteceu por volta de 1740, esta parte da Bahia foi dada a Antonio Guedes de Brito, então conhecido como "conde" da Ponte. Como não haviam estradas, a delimitação ocorria com base nos rios existentes, então o rio Itapicuru foi a primeira medida para delimitar o vasto território.
Foi o rio também que começou o povoamento, por volta de 1760 foi erguido um curral a beira do rio e foi colocado  um  capitão-do-mato e alguns escravos para tomarem conta, como haviam muitos índios cariris na região, alguns foram escravizados também para trabalharem nas terras do conde Antonio Guedes.
A mistura de raças já acontecia de todas as formas com holandeses e franceses que apareciam fugidos das guerras com portugueses que aconteciam no litoral, especialmente de pernambuco, os caminhos no mato forjados para dar passagem ao gado eram muitos usados em emboscadas a aqueles que, atraídos pela água abundante do rio, vinham em sua direção.
Os índios também não se contentavam e era natural muita confusão, apesar da crueldade do Feitor que comandava o pequeno lugar que era um acampamento improvisado, mesmo assim a remota povoação sobreviveu por décadas até a morte do Conde e as terras serem herdadas por sua filha, dona Isabel Maria Guedes de Brito.
Viúva, ela passou a administração de seus domínios para Manuel Nunes Viana, que no inicio do seculo XVIII tinha a incumbência de povoar os territórios, assim sendo quem tivesse interesse e condição poderia construir sua casa e trazer seus escravos para se fixarem na suas grandes quantidades de terra, inclusive onde hoje existe a cidade.  

O SÉCULO XVIII

Enquanto no litoral baiano a economia ia de vento em popa com a superprodução de cana-de-açúcar o interior do estado começa a ser realmente colonizado, os portugueses passam a explorar as minas de ouro de Lençóis, Gentio do Ouro e Chapada Diamantina, para chegar a estes caminhos, muitos viajantes com toda sua tropa, geralmente composta por muitos escravos e animais tinham que passar no atual território de Queimadas, que a beira do rio servia de estadia e local de descanso.
Porem foi com a descoberta do Ouro em Jacobina que o movimento aumentou. O rei nomeou seu primeiro ouvidor-mor, Manuel de Fonseca Brandão, o qual tornou a vila de Santo Antonio de Jacobina sede da comarca, responsável por todo o norte da capitania da Bahia, o que incluía até o rio São Francisco, tornando o local onde iniciava a cidade de Queimadas uma rota central nos movimentos, pois aqui seria o local inicial onde vindos de Salvador se dividiam as tropas, partes indo a Jacobina, outras partes indo em direção ao rio São Francisco, onde também nascia a atual cidade de Juazeiro.
Queimadas que pertencia a vila de Cachoeira, no final do século XVIII, mais precisamente em 1799 passou a pertencer a vila Nova da rainha, atual Senhor do Bonfim. Neste tempo ainda era basicamente um acampamento de vaqueiro com  poucas construções improvisadas que se estendiam sobre o leito do rio Itapicuru, pouco se plantava, e a população local, na sua maioria portugueses, escravos e indígenas tinham como dieta uma alimentação composta de derivados bovinos, carne, leite e mandioca. A Igreja sempre estava presente e catequizava os índios no cristianismo. Creio que a ruína que existe na cidade, citada neste blog é deste tempo, pelo seu aspecto, construída em pedra ela passa a imagem de uma construção jesuíta do inicio do século XVIII, nunca terminada devido a expulsão dos religiosos, pelo governo português ocorrida em 1759.

O SÉCULO XIX

Em 1800, a pequena povoação ja contava com uma população significativa e a administração feita por Vila Velha da Rainha, (atual Senhor do Bonfim) estava próxima, o que favoreceu a chegada de novos moradores a localidade, a construção da Igreja de Santo Antonio terminada em 1815 é outro marco que favorece o surgimento de uma nova elite local, comandada pelos sucessores de Isabel Maria Guedes.
Estima-se que em 1820 a população do lugar chegava a 600 habitantes fixos, dispostos  a frente da Igreja, na sua maioria escravos, moradores de casas feitas com cipós e barro.
Os senhores deste povo contentavam-se  com a criação de gado para venda e posterior exportação para Portugal, poucos plantavam algodão e alguns vendiam esporadicamente farinha e rapadura aos tropeiros que cruzavam o lugar.
Em 1842 Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos, então presidente da província da Bahia assina a lei provincial nº 168 que eleva a igreja a "matriz", o que dá uma nova condição, porque desmembra ela de uma outra, tornando-a "autoridade" em determinado território, e seu povoamento vai junto, deixando de ser apenas uma "fazenda" para tornar-se uma freguesia  (pequena povoação).
O primeiro padre da nova freguesia, tomou "posse", em outros termos seria a figura mais conhecida do lugar e ao qual se deveria pedir todo tipo de informação, no tempo colonial os detentores do poder e a igreja tinham estreitas relações. No dia 30 de maio de 1842, Francisco da Silva Morais, foi entronado na nova freguesia que tinha como nome "Freguesia de Santo Antonio das Queimadas".
Três anos depois o mesmo Joaquim José tentou transformar o lugar em uma vila, a qual se emanciparia de Vila Nova da Rainha (atual senhor do Bonfim), fato que não conseguiu porque nenhum dos habitantes se propôs a custear as despesas com a construção de uma câmera municipal e uma cadeia pública, instalações estas que eram obrigatórias para uma povoação se transformar em vila.
Só em 1884 se conseguiu tais recursos então o presidente da província da Bahia já era o senhor João Rodrigues Chaves, o qual assinou a resolução nº 2.454 tornando a freguesia uma Vila, então denominada Villa Bella de Santo Antonio das Queimadas. Nascia o município com administração própria.
Porém a falta de agilidade da época, e o desinteresse local pela administração do novo município só foi vencido apos a inauguração da estação ferroviária que aconteceu em 1886, afinal o local que já era conhecido como "ponto de descanso" das tropas em direção a Juazeiro ou Jacobina passou a ter uma parada do meio de transporte mais rápido do seu tempo, o trem. Então apos três anos aconteceu a eleição e posse da primeira câmera municipal de vereadores, na época não havia a figura do prefeito, o poder executivo municipal era do vereador mais votado, na primeira eleição de Queimadas, ainda sob legislação do governo imperial brasileiro o mais votado foi o Capitão Barreto d'Araujo, que administrou por apenas dois anos.



ANOS  FINAIS DO SÉCULO XIX - PROFUNDAS MUDANÇAS

Menos de um ano de administração independente e Queimadas foi abalada pela última grande novidade do Império. A princesa Isabel assinou a lei Áurea, acabando com a escravidão no Brasil, o frágil sistema econômico do município quebraria com uma mudança radical no seu setor de serviços, então muitos fazendeiros "esconderam" dos negros este acontecimento e historiadores acreditam que a escravidão na região durou ainda, no mínimo uma década.
O que não durou tanto foi o próprio Império, que um ano mais tarde cedia lugar a república com o golpe militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca que destituiu o imperador D. Pedro II e assumiu o governo do país. O fato é que o Brasil cansara-se de ser dominado pelos portugueses que davam pouca atenção a sua colônia e mantinham uma autoridade "capenga" sobre o enorme território. De certa forma o marechal Deodoro "derrubou" o  capitão Barreto d'Araujo.
A câmera municipal apressou-se a apoiar o novo regime e o fez de no dia 24 de novembro de 1889 apenas nove dias depois da famosa proclamação da república do marechal Deodoro. Três meses apos a própria câmera se auto-dissolvia e já sob o regime da república era eleita uma nova, (sem votação do povo, que na maioria eram negros, só votava os donos de propriedades) agora já com a figura do prefeito, chamado na época de "Intendente" , foi eleito Altamarindo Avelino Pereira Duarte.
O momento histórico do final do século XIX no nordeste da Bahia era especialmente explosivo, muitos quilombos se formavam com a liberdade do povo negro, muitos portugueses se sentiam ameaçados pela administração totalmente brasileira do país e muitos indígenas se juntavam ao rol de revoltados com o sistema dominante na época, juntando a isso a seca natural do lugar e a distância do governo central, que ficava no Rio de Janeiro fazia do nordeste um caldeirão de possibilidades, uma verdadeira "terra de ninguém", onde valia a lei do mais forte, neste ínterim começavam a surgir os cangaceiros, e justiceiros que geralmente vingavam-se da escravidão sofrida.
Em 1890, logo após a proclamação da república a família Garcia d'Avila, que havia ganho muitas terras no período imperial resolveu abandonar algumas destas terras, e entre elas abandonou uma fazenda de nome Canudos que ficava próximo a Queimadas, no lugar que era bastante estéril ficou apenas ex-escravos com pouca possibilidade de sobrevivência. Acontece que perto dali "vagava" um cearense de nome Antonio Vicente de Mendes Maciel, professor primário, que apos desilusões na vida começou a caminhar pelo nordeste espalhando sua mensagem de vida, conseguiu muitos seguidores, ex escravos, cangaceiros e todo tipo de gente sofrida que havia na região, sabendo da fazenda abandonada rumaram para lá e no local criaram um novo povoado de nome Monte Belo.
A fama do lugar, que a todos aceitava tomou conta, e Queimadas viu passar na sua direção muitos peregrinos, viam a pé, montados em animais e até de trem, o lugar cresceu e em 1895 só era menor do que a capital do estado, Salvador.
O governo central republicano recém instalado, apos derrubar o Imperador via o novo povoamento como um opositor, pois ainda havia o temor de uma reconquista do poder pelos portugueses, a falta de informação sobre a região fez o governo central tomar  a atitude errada e fazer a Guerra de Canudos.


QUEIMADAS DURANTE A GUERRA DE CANUDOS

Mais uma vez a localidade era o ponto de passagem e apoio para outro lugar, sendo escolhido pelas tropas republicanas como base para seus soldados, a jovem cidade viu sua igreja, única construção  com espaços grandes no lugar, usada como quartel general para as tropas que viriam. E vieram muitas no total foram preciso quatro expedições de soldados para derrotar pobres e famintos nordestinos.


Na primeira expedição do exército  contra Canudos a população de Queimadas recebeu bem os soldados e comandantes moradores doaram mantimentos  e até suas casas para ajudar, sentiam-se republicanos e queriam participar da vitoria do poder central e com isso aumentar sua relação com os novos mandatários do país. A expedição foi a canudos e saiu derrotada, voltando poucos soldados ensanguentados e morrendo de fome ao povoado. A segunda expedição ja não foi tão bem recebida e alguns moradores mais temerosos fugiram da povoação que na época contava com mais de duzentas casas. No caminho, até Canudos,  com a maioria da tropa fazendo o percurso a pé e poucos mantimentos alguns soldados roubaram em fazendas e a má fama tomou conta espantando ainda mais o sertanejo. Esta tropa também voltou derrotada.
A terceira expedição desceu do trem na estação de Queimadas e ja encontrou a cidade, chamada de Vila naquele tempo, praticamente vazia de civis, os poucos que restavam estavam apavorados e ficavam ali cumprindo obrigações com o estado. Moreira Cesar também conheceu a derrota contra os correligionários de Antonio Conselheiro.
A mídia que cobria a vida nos palácios do Rio de Janeiro voltou sua atenção aos acontecimentos no sertão da Bahia e todos os jornais importantes mandaram representantes ao local para cobrirem "em primeira mão" os acontecimentos.Entre eles destaca-se Euclides da Cunha, que fez mais que cobrir a guerra ele entendeu o momento do sertão e o sentimento nordestino, sua dedicação resultou no livro "Os sertões", publicado em 1902, nele, segundo Nonato Marques, esta  sua descrição de Queimadas no momento da quarta expedição.


" Encontramos esta localidade sem agitação dos últimos meses. Voltou a primitiva quietude com a partida dos últimos batalhões, ontem realizada. É pequeno e atrasado, vivendo em função da estrada-de-ferro, este arraial obscuro - último elo que nos liga, hoje, às terras civilizadas. A casaria pobre, desajeitada e velha, agrupa-se em torno da única praça, grande mas irregular, transitorialmente animada agora pela passagem dos contingentes que trouxemos.

Em torno, amplíssimas, desdobram-se as caatingas. E não há a mais ligeira variante , a mais breve colina onde o olhar repouse exausto a dilatar-se pelos horizontes longínquos, cansado da monotonia acabrunhadora de extensos tabuleiros cobertos de arbustos requeimados. Observar a povoação é mais monótono ainda. Não há um edifício regular, sofrível sequer. O quartel-general está numa casinha baixa, de comprimentos minúsculos: a repartição telegráfica, numa melhor mas com a mesma feição deprimida.

Mal aparecem os habitantes. De sorte que a praça, rodeada de edifícios pequenos e imprestáveis, transitada apenas pelos soldados, é como o pátio de um quartel antigo e arruinado. Entretanto, quanta recordação, em torno.
Alí, em continuação à praça, acampam sucessivamente todas as forças que aqui têm chegado e seguido para o sertão; um acervo informe de farrapos, trapos multicores de fardamento, botinas velhas, cantis arrebentados, bonés inutilizados, esparsos, disseminados numa área extensa, indica a estadia das tropas que desde a segunda expedição ali têm acampado. Naquele solo comprimido confundiram-se, multiplicando-se em passadas inúmeras, os rastros de quinze mil homens.
Impressiona a passagem pelo lugar onde se agitaram tantas paixões e se acalentaram tantas esperanças malogradas. Mais adiante, quem sobe pequena ondulação do terreno, divisa, retilínio , prolongando-se numa extensão de dois quilômetros, um sulco largo de roçada, na caatinga: a linha de tiro em que se exercitou a divisão do general Arthur Oscar. A um lado erige-se uma igreja (foto) humilde com aspecto acaçapado de barracão de feira; - nas paredes brancas , sobre a brancura de cal, traços de carvão, numa caligrafia hieroglífica, ostenta-se a verve áspera e característica dos soldados: todos os batalhões colaboram na mesma página. Uma página demoníaca: períodos curtos, incisivos, assombrosos, arrepiadores, espetados em pontos de admiração maiores do que lanças...



A quarta expedição destruiu o povoado de Belo Monte retornando a Queimadas e seguindo seu rumo de trem em direção a Salvador, os festejos dos militares não foi a vitoria do lugar, que assim como Monte Belo ficou praticamente arrasado, perdeu 80% dos seus moradores que fugiram para lugares mais tranquilos. a Igreja foi usada como quartel general e apoiou os republicanos o tempo todo durante a guerra.

SÉCULO XX

Depois de servir como "quartel general" do exército durante a guerra de Canudos, a cidade teve uma década de paz, tempo em que recuperou sua população, começou uma organização social e conseguiu melhorar um pouco a sua urbanização, até que no final de 1910 e inicio de 1911 aconteceram duas enchentes no rio Itapicuru, o que destruiu 90% das casas locais.
No último mês de 1910 a cidade contava com aproximadamente 450 casas residencias e outras 30 comerciais e mais umas 20 construções diversas entre igrejas e órgãos governamentais, incluídos aí a estação do trem e a casa de correios e telégrafos, estimava-se uma população entre  2500 a 3000 pessoas que continuavam vivendo em torno do rio Itapicuru, cultivando para subsistência, e criando gado.
A primeira enchente aconteceu de forma mais amena e a população teve tempo de ver o rio subindo durante alguns dias e com isso salvou muitos de seus pertences, calcula-se que as 150 casas feitas de cipó e terra mais próximas ao leito do rio foram levadas pelas correntezas rio abaixo.
dois meses depois veio a segunda enchente e como um diluvio se abateu sobre o pequeno povoado de forma repentina e a população que mal se recuperara da enchente anterior perdeu algumas vidas e mais umas 300 construções, desta vez só ficaram em pé as casas dos dois altos que rodeiam a cidade, o Alto da Jacobina e o Alto do Santo Antonio, alem das casas mais resistentes da praça da bandeira, local bastante elevado, as casas que não caíram totalmente ficaram bastantes avariadas, merece destaque a construção da família lantyer, conhecida como o Chalé, este mesmo em local vizinho ao leito do rio conseguiu resistir com menos avarias e pode ser reconstruído por seu propietário.
Durante o período que se seguiu as grandes inundações, o Intendente da época Benevides Moreira de Andrade mudou a sede administrativa do município para o povoado de Itiúba, que só mais tarde em 1935 ganharia uma administração sua própria administração. Então depois das águas baixarem o sertanejo queimadensse voltou ao seu pedaço de chão e como uma a fênix tratou de reconstruir sua vila.
Durante o período da primeira guerra mundial, (1914 a 1918) Queimadas estava se reconstruindo e a população local tinha sua própria guerra pela sobrevivência, os trens continuavam passando em direção a Juazeiro e as noticias chegavam sobre a neutralidade do brasil no conflito, os poucos soldados que terminaram ficando no local por motivos de mutilação,  já ha mais de 10 anos estavam acostumados a nova vida e nem sonhavam em voltarem ao exército.
Foi de trem que em 04 de dezembro de 1919, Queimadas recebeu Rui Barbosa, um dos mais ilustres baianos de todos os tempo, respeitado mundialmente e, na época candidato a presidência do Brasil ele percorreu a sede do município e o povoado de Itiúba onde assistiu ao desfile dos vaqueiros e conheceu mais a fundo o sertão do estado, do qual saíra ainda adolescente  pra estudar no recife.
Sobre sua passagem pelo sertão baiano, mais tarde Rui falaria:

 “ A extensão em que percorri, conquanto limitada, mostrou-me todo o seu quadro; e esse quadro se me antolha o de um vasto Calvário, onde agoniza uma raça excruciada por ignóbeis algozes. Nessa raça pôs Deus um reservatório de energias assombrosas. Para as admirar, não era preciso ver, como eu vi, desfilar em cargas soberbas os vaqueiros da Itiúba, os nossos centauros, os gaúchos do Norte, vencendo a planura dos taboleiros com o mesmo desembaraço que vencem as brenhas da selva arranhada”.



DEPOIS DE 1920

Rui Barbosa perdeu a eleição, o Brasil perdeu a chance de ter um presidente capacitado, até aí tudo continuava sem novidades na agora pacata cidade de interior baiano. Poucos anos antes começava a fabricação de automóveis nos Estados Unidos e a novidade na segunda metade da década em Queimadas foi a chegada do ford T, o famoso ford "bigode" pertencente a João Lantyer. Isso mesmo antes de termos estradas já havia um carro em Queimadas, relatos da epoca falam que o carro veio "desmontado" e foi montado na cidade seguindo um manual de instruções e que para usa-lo precisava vim combustível da capital do estado, alem de ser preciso levar no carro, foice, enxada e pás para "abrir" o caminho por onde o carro iria passar. Tratava-se mais de uma diversão do que propriamente algo para uso concreto no local.


E estavam cuidado do carro na oficina do mecânico Pedro Patapio quando outra novidade, esta desastrosa aconteceu em Queimadas. Chegou Lampião e de pronto tentou pegar o carro para entrar de vez na cidade, o mecânico disse-lhe que estava sem funcionar, tanto é que ali era a oficina de conserto. O "rei" do cangaço se convenceu e continuou sua marcha entrando de vez na vila a pé mesmo.



Era dezembro e a população estava preocupada com os festejos de final de ano, as moças ensaiando as apresentações que seriam mostradas nas festas religiosas do natal, os rapazes bebericando nos poucos ambientes abertos naquele domingo, dia 22  semana do natal de 1929. Deveriam se preocupar também com as recentes noticias de cangaceiros, vindos do Pernambuco que estavam tomando conta do norte da Bahia, mas a aparente segurança que passava uma cidade com comunicação direta com a capital, via telégrafo e com a chegada diária de trens de passageiros iludiu os 07 soldados que desde faziam a segurança e mantinham a ordem na cidade.
Lampião havia atravessado o rio de canoa com mais 15 homens e depois de passar pela oficina e não poder usar o carro entrou mesmo a pé no lugar,  dividiu sue bando em dois e um deles foi em direção a estação da estrada de ferro indo ao telégrafo onde cortou a linha, roubou os valores e prendeu o funcionário. A outra parte do bando foi em direção a cadeia pública, que servia também de quartel para os comandados do sargento Evaristo. Os soldados estavam sentados e ao verem o grupo entrar confundiram com a polícia pernambucana e alguns deles chegaram a "bater continência". O que foi desprezado por lampião ao se apresentar: -Fica quieto macaco, aqui é Lampião!
Tomados de assalto não resistiram, foram logo presos no mesmo quartel que trabalhavam e os condenados que ali estavam  foram soltos, então dono da situação, o bandido procurou as outras autoridades da cidade, manteve todos sobre custodia e fez um arrastão nos bolsos dos principais moradores, todos pagando os valores que ele pedia sem pestanejar, os que não tinham arranjam emprestado mas nenhum falhou  pelo medo e terror que Lampião passava.
Feito o saque coletivo o bando se juntou na cadeia pública para executar os soldados, um por um era solto da sela, vinha até o passeio levava tiros e era sangrado pelo pescoço, seu corpo eram colocados na frente da prefeitura da época que ficava ao lado da cadeia e passava-se para o próximo soldado. Todos os sete foram mortos desta mesma maneira.
Depois de matar todos os soldados o grupo foi para um dos estabelecimentos comerciais da cidade e jantou, pois ja escurecia, comeram e beberam sem  nada pagarem a proprietária e depois do "banquete" mandaram chamar os moradores que sabiam tocar e fizeram uma festa em uma casa da cidade, onde dançaram o forró até tarde da noite.
Na madrugada ja´exauridos de tanto beber e dançar lampião mandou o bando "se arrumar" para sair da cidade e como ja havia dividido o fruto do assalto coletivo com todos os capangas, um deles deu por falta da sua parte e tentou procurar entre os presentes, não achou, ameaçou e Lampião interveio falando que já era hora de sair e não tinha mais tempo para isso, foram embora, algum cidadão daquele fatídico forro teve a coragem de roubar um dos cabras de Lampião.

  
A cidade precisa aprender a viver com suas feridas, havia quase desaparecido durante a guerra de Canudos,  pouco depois a enchente derrubou  quase todas as suas casas e neste final dos anos 20 do século passado a tragedia da "visita" de Lampião. Aprender era a palavra de ordem e para isso acontecer nada melhor do que inaugurar sua primeira escola, o que foi acontecer em 1948 já depois do fim da segunda guerra mundial. O Brasil já havia passado da era Getúlio Vargas vivia o processo de industrialização e para ter pessoas capazes de trabalhar nas novas fabricas era preciso educa-las. O governo federal então passou a incentivar a construção de escolas em todas as cidades que existissem. Com Queimadas não foi diferente a construção do prédio da escola reunida Santa Bernadete foi  o marco inicial do ramo educacional local.